quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Consumo de Carne Vermelha e risco de diabetes: Quais as atuais evidências?


Um estudo publicado nessa semana no American Journal of Clinical Nutrition relacionou o consumo de carne vermelha, processada ou não, ao risco de desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2. A publicação causa impacto por ter combinado dados de três grandes estudos, todos com seguimento de longo prazo, confirmados por uma metanálise de outros estudos, perfazendo um total de mais de 400.000 indivíduos. Segundo essa análise, o consumo diário de 50 g de carne processada (uma linguiça) confere um aumento de risco de desenvolver diabetes mellitus tipo 2 de 51% enquanto o consumo de 100g de carne in natura (porção equivalente ao tamanho de 1 baralho de cartas) confere um aumento de risco de 19%.
Os resultados encontrados são consonantes com estudos menores publicados na última década que relacionaram o consumo de carne, mais especificamente de ferro heme, ao maior risco de diabetes. Dentre eles, dois estudos publicados na edição de julho do Diabetes Care relacionaram o maior consumo de ferro heme durante a gestação e no período pré gestacional com maior risco de desenvolvimento de diabetes gestacional.
O vilão em questão seria o ferro heme, presente nos alimentos de origem animal ricos em ferro, como carne e gema de ovo. O consumo de ferro não heme, presente nas leguminosas e grãos integrais e a suplementação de ferro não estariam relacionados ao desenvolvimento de diabetes. O ferro heme tem ação pró-oxidante, podendo ter efeito tóxico sobre as células betas pancreáticas através do stress oxidativo, reduzindo assim sua função. Esse efeito está bem documentado em portadores de hemocromatose, que apresentam níveis patologicamente altos de ferro, mas ainda não foi bem determinado em indivíduos com níveis normais de ferro.
A dificuldade em estudos como esse é separar o efeito, por exemplo, da gordura saturada presente também na carne do efeito do ferro, o que seria um fator confundidor. A favor do efeito independente do ferro sobre as células beta existem estudos com camundongos ob/ob (modelo de camundongo obeso e diabético por deficiência de leptina). Um estudo publicado em 2010 demonstrou que esse modelo animal, quando submetido a dieta com restrição do teor de ferro, demorava mais tempo para desenvolver diabetes que o camundongo submetido à dieta padrão. O uso de quelante de ferro no mesmo modelo animal teve efeito ainda melhor, adiando por mais tempo a evolução para diabetes. Não houve diferenças no peso entre os grupos. Em camundongos selvagens o efeito da dieta restrita em ferro não é observado. Os autores sugerem que a ação do ferro sobre a célula beta seja mais importante em situações de alta demanda, como no indivíduo obeso com resistência à insulina.
Há mais de 10 anos já fora observado que pacientes com anemia por deficiência de ferro apresentavam menor risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2.
Em relação ao pior efeito da carne processada, esse pode ser devido ao maior teor de sódio e à presença de conservantes contendo nitratos em sua composição.
Os dados publicados recentemente são mais um ponto contrário ao consumo elevado de carne vermelha. Se por um lado importa pouco se o ferro e/ou outro componente da carne está relacionado ao desenvolvimento de diabetes, pois isso não muda a recomendação para “dosar” o consumo, a compreensão exata do efeito e da importância do ferro na fisiopatologia do diabetes descortina um campo onde poderemos atuar, seja na prevenção e, quem sabe até na melhora do controle do diabetes.

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